A pequena cidade de Cambará, situada no extremo norte do Paraná, é como qualquer outro estereótipo de município do interior. Pacata, de população trabalhadora e de longo histórico na agricultura. Cambará não foge à regra, porém, está marcada também em páginas importantes na história do futebol paranaense, especialmente a partir de 1974. Naquela região, estava estabelecida uma importante família de imigrantes japoneses: os Matsubara.
Donos de mais de 2500 alqueires de terra na região, uma área equivalente a cerca de mais de cinco mil campos de futebol, faturavam muito com o plantio de café, milho, soja, arroz, feijão e, principalmente, algodão. Como não podia deixar de ser, um dos hobbies da família era o futebol. Foi, então, que os irmãos Teruo, Sueo e Takeo decidiram formar um time amador. Em 18 de dezembro de 74, foi fundada a Sociedade Esportiva Algodoeira Matsubara. O algodão aparecia também no escudo, dando ainda mais originalidade ao clube. Logo nas primeiras competições, ainda
amadoras, a equipe passou a se destacar e conquistar títulos. Trilhar o caminho do profissionalismo se tornou natural.
À base de paixão e, claro, um bom aporte financeiro, o Matsubara se transformou em uma pedra no sapato dos grandes e um revelador de talentos da região. Shigueo Matsubara, filho de Sueo, o presidente de honra do clube, lembra com carinho dos tempos áureos. ”Fui um privilegiado. O futebol está enraizado na cultura brasileira, desde criança respiramos futebol. Agora imagine para um garoto poder dizer que seu pai tem o próprio time de futebol? Uma de
minhas primeiras e inesquecíveis memórias são as viagens aos jogos que fazia acompanhando meu pai. Ter acompanhado os treinos na Vila Olímpica, participado dos bastidores, as preleções nos vestiários e assistido aos jogos dentro do campo, foi surreal para mim”, disse um orgulhoso Shigueo.
Na época da fundação, a mesa diretiva do clube era formada em sua totalidade por membros da família, com exceção do diretor de publicidade, Vicente Camargo. Com o objetivo claro de estar entre os melhores, abrir o cofre não foi problema, e rapidamente a equipe chegou à elite estadual sendo vice-campeã da segunda divisão de 1976, dando a Cambará novo fôlego no futebol paranaense, como já havia tido com a extinta Cambaraense. Porém, desde o início um problema impedia grandes voos: a falta de um estádio próprio.
Os jogos pequenos eram disputados no pequeno campo do Operário local, e quando era necessário um estádio maior, era preciso se deslocar até Bandeirantes, a 40 km dali, ou ir até Londrina. Vicente Camargo já aparecia como um dos principais nomes no sonho de construir um estádio. Foi através de Vicente que nasceu a Torcida Organizada Matsubara, a TOM, fundada em 1977. E de maneira independente, e talvez inédita no mundo, a TOM resolveu assumir a construção de um estádio para o clube que amava. “A construção aconteceu através do Vicente. Ele se reuniu com a
diretoria da torcida na época, e começaram a fazer rifa de carro, moto, e foi arrecadando dinheiro, até conseguir comprar dois alqueires de terra no bairro de São José”, explica Moacir Tavares Duarte, de 67 anos, atual vice-presidente da TOM. “Depois de comprado o terreno, começamos a fazer promoções, a população começou a doar tijolos, areia, cimento. E a TOM, com essa arrecadação, conseguiu contratar cerca de 5 a 10 pedreiros”, contou Moacir. O trabalho de formiguinha durou cerca de três anos, e em 1980, enfim, o Olímpico Regional de Cambará foi inaugurado graças ao empenho de seus torcedores.
Embora não figurasse no topo da classificação, o Matsubara passou a dar trabalho para as grandes equipes, além de se tornar o principal revelador de talentos dos anos 80, vencendo o estadual de juvenis por sete vezes e ficando com o vice em outras três, além de ter alcançado as semifinais da Copa São Paulo de Juniores por duas vezes. “Chegamos a alojar mais de cem atletas em nosso CT. Era realmente uma fábrica de jogadores”, conta Shigueo.
A venda de revelações era uma das principais fontes de renda do clube, que excursionava no estrangeiro para a disputa de vários torneios internacionais, sendo uma vitrine importante para os atletas. “Sempre tivemos uma relação estreita junto ao futebol internacional, tanto participando de torneios no exterior, como na Arábia Saudita, Japão, Europa; quanto no quesito formação. Recebemos estagiários de vários países (Japão, Coréia do Sul, Estados Unidos, África do Sul, França, Portugal, Argentina) e isso para mim foi uma experiência edificante, muito cultural”, completa.
Em 1989, o Matsubara ficou pela primeira vez entre os quatro melhores do estadual, atrás apenas da dupla Atletiba, e do União Bandeirante, uma das maiores forças da história do futebol paranaense. Em 92, realizou sua melhor campanha em nível nacional, chegando na quarta posição da série C do Brasileirão. Até aí, a relação entre time e torcida era praticamente perfeita. A TOM arrecadava dinheiro, ampliava e mantinha o estádio e o clube montava boas equipes.
Em 1993, entretanto, aconteceu o primeiro episódio que causaria a futura ruptura. Em um regulamento confuso e modorrento, o Matsubara alcançou o quadrangular final contra Paraná, Atlético e Londrina. O sonho de ver o time disputar o título em jogos em Cambará ruiu, pois o regulamento obrigava que os jogos da fase final acontecessem em estádios com capacidade maior que 20 mil lugares. O time teve de mandar seus jogos em Maringá e terminou na quarta posição.
Cientes do problema, e também certos de que o clube voltaria a disputar o título, a TOM mobilizou novamente a população de Cambará, colocando dessa vez como objetivo, uma ampliação definitiva para o local de jogos da equipe. Em 1995, quando, enfim, o estádio ficou completamente pronto, a TOM ouviu da direção do clube uma decepcionante resposta. O Matsubara se mudaria para Londrina em busca de mais apoio, frustrando o sonho de seus torcedores. “É complicado e delicado falar sobre isso. A própria TOM já não era mais a mesma. Não tinha o mesmo vigor e participação de outrora, quando era liderada pelo nobre Vicente Camargo. Mesmo com o time em uma boa fase, fazendo boa campanha, não havia muito público. A torcida não prestigiava os jogos. Veja bem, não estamos cuspindo no prato, seremos eternamente gratos à TOM, mas eram outros tempos”, conta Shigueo.
De acordo com ele, as condições financeiras foram o principal motivo para a saída da cidade. “Tocar um time de futebol no interior tem lá suas dificuldades. A verdade é tamanha que do norte pioneiro, das cidades pequenas, nenhum clube sequer resistiu ao tempo. Nunca tivemos um patrocinador, nunca na história uma empresa cambaraense se propôs a patrocinar o time, nem simbolicamente. Nossa transferência para Londrina nunca foi levada de uma forma ‘pessoal’, como um protesto contra os cambaraenses. Quando nos mudamos para Londrina, o projeto era ousado, pretensioso”, explica.
Em Londrina, o Matsubara trouxe alguns nomes de peso, como o meia Neto, ex-Corinthians, e o atacante Tadeu, atualmente mais conhecido como pai de Diego Tardelli. “Foi a primeira contratação de peso do futebol paranaense. Tivemos grandes jogadores em nosso estado, mas um time contratar um jogador de expressão como o Neto, foi inédito”, afirma Shigueo. A campanha foi boa e o clube chegou à terceira posição, mas o público nos jogos foi decepcionante. O Matsubara ainda mandou os jogos em Londrina até 1997, sem jamais conseguir conquistar os torcedores londrinenses.
Quando percebeu o erro, o clube tentou voltar a Cambará. Mas a recepção, naturalmente, não foi a esperada, mesmo com o clube disputando a série C do Brasileirão. Os jogos do Matsubara passaram a ter públicos médios de apenas 200
testemunhas. O Matsubara, aliás, só mandava os jogos no Regional de Cambará por força de um contrato de comodato. Enquanto o clube estivesse no profissionalismo, mandaria os jogos lá. Na época, o então presidente da TOM, Waldir de Camargo, filho de Vicente, e que infelizmente faleceu no dia 2 de abril desse ano, foi taxativo em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. ”Quando montaram um grande time, a diretoria levou seus jogos para Londrina, agora que está com a baba, quer o apoio da torcida.”
Polido, Shigueo não discorda da reação da torcida. “Me coloco no lugar dos torcedores, entendo e compreendo perfeitamente. Eles se sentiram traídos e como todo brasileiro que gosta de futebol, foram passionais”, opina. Entretanto, há ainda resquícios de mágoa por parte da torcida. Ao ser questionado se ainda há alguma relação entre a TOM e a família Matsubara, Ovanir dos Anjos, de 55 anos, atual presidente da torcida, foi direto. “Não, graças a Deus”. Aparentemente incomodado em falar sobre o assunto, Ovanir se limitou a explicar a situação atual do grupo. “A TOM é
uma pessoa jurídica, mas está totalmente adormecida. Apenas cuidamos do estádio, que agora mudou de administração. Nós emprestávamos o estádio, ajudávamos quem precisava, mas como organização, estava parada”, conta.
O rompimento da relação entre torcida e clube decretou o início do fim. Após o rebaixamento em 99, última vez que o Matsubara disputou a elite estadual, o clube alternou entre o profissionalismo e a quase inatividade, fazendo sua última participação profissional em 2009, na Terceirona estadual. Sem sede própria atualmente, todo o acervo do clube, como medalhas e troféus, se encontra na Câmara Municipal de Cambará. “Foi uma forma que encontramos para que todos os cidadãos cambaraenses tenham acesso à história do clube. Eles merecem tanto quanto aSociedade Esportiva Matsubara”, diz Shigueo. Sobre uma possível volta do Matsubara, se mostrou esperançoso. “Dizer que nunca mais retornaremos às atividades é demais. Estamos em contato com algumas empresas, investidores e abertos a propostas de parcerias. Eu, particularmente, nutro um enorme sonho de que a Sociedade Esportiva Matsubara retorne aos gramados. Preferencialmente aqui noParaná, estado que tivemos tantas alegrias”, finalizou.
O estádio Olímpico, hoje nomeado como Regional Vicente de Camargo, em homenagem a seu idealizador, está em boas condições, de acordo com a TOM. “Reformamos recentemente os vestiários, o campo está com 80% de condições para receber qualquer evento”, afirmou Moacir. A expectativa é que em breve o estádio volte a receber partidas profissionais. Entretanto, o Matsubara não está nos planos. “No dia 5 de setembro de 2016, tivemos uma reunião com Airton Correia Lima, o Baiano, ex-zagueiro do Matsubara. Fizemos uma parceria, assinamos um contrato, passando o Estádio Regional para que ele possa administrar por cinco anos. A intenção dele é colocar um time para disputar a terceira divisão do Paranaense”, explica, deixando um fio de esperança para que, quem sabe um dia, Cambará volte ao mapa do futebol no estado do Paraná.
Texto originalmente publicado em 4 de novembro de 2016 no site Trivela (atualmente indisponível)