Casari

Uma parte de nós mesmos

Em nossa infância e adolescência, construímos o que somos, adquirimos conhecimento, fortalecemos nossos ideais, escolhemos nossas paixões, mas também somos moldados por aquilo que nos rodeia. A partir da fase adulta, esse processo continua. Talvez mais lentamente. Mas se divide em nossas vidas junto a um outro processo. O da decomposição. Como adultos, passamos a ter a exata dimensão dos nossos limites. Nascemos, crescemos e morremos. Independente de crença, é esse o caminho da vida. O que vem depois (ou o que não vem), não importa para essa linha de raciocínio. Essa consciência faz com que saibamos que a cada dia perdemos um pouco daquilo que nós somos, daquilo que nós éramos. No meu caso, assim como no caso de milhões de pessoas ao redor do planeta, uma parte considerável de nossas vidas é dedicada ao futebol. E conforme a teoria elaborada anteriormente, ganhamos e perdemos todos os dias. Ganhamos jogos, emoções, e experiências novas. Perdemos jogos, sentimentos e experiências passadas.

Em minha memória afetiva, guardo muitas lembranças que considero especiais, apesar de aparentemente irrelevantes. Uma delas, é o prazer que tinha de ler ficha por ficha dos Guias da Revista Placar. Às vezes decorava até a data de nascimento de cada um daqueles jogadores, tão distantes. Imaginava como jogavam, e depois os assistia na TV. Queria ser um deles. E aqueles que eu descobria que eram realmente bons, tinham espaço reservado em meus pensamentos. O mesmo valia para os heróis, os deuses do futebol que imaginava ao ler as histórias das Copas do Mundo e de outras grandes competições. Recentemente percebi, e senti, que quando cada um desses heróis se vai, uma parte de mim se vai também.

Foi assim com Zito, centro-médio do Santos de Pelé. Parecia que tinha perdido um avô. Quando Ghiggia se foi, exatos 65 anos após sua maior glória, vi como a vida é irônica, e como é uma humorista de péssimo gosto. Mas essas figuras ainda estavam distantes de mim no tempo-espaço. Aquela mesma consciência de adulto, me mostrava como eles já estavam com a idade avançada, e que como para todos os nós, o final tinha chegado. O problema é quando percebi que meus ídolos mais próximos, ou aqueles pequenos heróis em forma de ficha técnica também teriam o mesmo fim. Ontem, 1º de março, por exemplo, “perdi” mais uma ficha técnica. Leonardo, 3º maior artilheiro da história do Sport, e grande figura do futebol brasileiro nos anos 90, partiu dessa para uma melhor, espero.

Mesmo não sendo um ídolo, mesmo não tendo sido uma presença constante em minha vida, é um acontecimento que me faz lamentar, e que me deixa profundamente entristecido. Pois sei que é um pouquinho de mim que se perde por aí. Mas também fico satisfeito, pois sei que o ex-atacante deixou seu legado, e seguirá vivo na mente de milhares, especialmente na dos torcedores pernambucanos.

Entendo que daqui pra frente isso acontecerá com cada vez mais frequência. Se um dia colecionamos figurinhas para completar um álbum, veremos estes álbuns “perdendo” cada uma dessas mesmas figurinhas. É a vida, não é mesmo? Que então aproveitemos a nossa, usando essas perdas como aprendizado para ter ainda mais conquistas pessoais, agregando conhecimento, experiências, e sendo também para as outras pessoas uma parte da vida delas. Pois se perdemos muito de um lado, podemos ganhar ainda mais de outro. Até a vitória, sempre!

Texto originalmente publicado no perfil Sem Firulas.

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