Casari

Uma realidade oculta e um passado que assombra

Na final da Copa América entre Argentina e Colômbia, o futebol não foi o único protagonista. Fora das quatro linhas e antes de a bola rolar, a invasão bem-sucedida de estimadas 7 mil pessoas sem ingressos no Hard Rock Stadium causou diversos transtornos. Primeiramente, o jogo teve um atraso de 82 minutos. O prejuízo ao espetáculo também se estendeu ao patrimônio, já que vários setores do local foram destruídos, como efeito colateral do tumulto e pelo dolo dos invasores, incluindo cenas de torcedores acessando tubos de ventilação do estádio.

Contudo, o mais preocupante dessa situação, claro, é a segurança das pessoas presentes. Todos os órgãos de imprensa relataram que havia pessoas feridas na situação, embora oficialmente não tenham sido divulgadas informações sobre o número de feridos. Rapidamente, muitos passaram a culpabilizar a tradicional desorganização da Conmebol pelo ocorrido. Realmente, a entidade máxima do futebol sul-americano deu muitas mostras de incapacidade durante todo o torneio, mas acredito que há uma discussão mais profunda a ser feita.

Na Eurocopa, não tivemos registro desse tipo de invasão massiva, mas diversas brigas, dentro e fora do estádio, foram relatadas. Muitas delas pelo hooliganismo clássico, enquanto em outras situações eram as afloradas rusgas geopolíticas que motivavam a violência. Ainda assim, vale lembrar do ocorrido na final da Champions League, em 2022, entre Real Madrid e Liverpool, no Stade de France. Uma confusão no processo de entrada, seguida por invasão de torcedores sem ingresso, também causou um atraso de 37 minutos na partida, além de cenas terríveis de torcedores recebendo gás lacrimogêneo da polícia.

Também vale lembrar outro episódio recente. Em 2022, na Copa Africana de Nações, em Yaoundé, nos Camarões, a seleção da casa enfrentou Comores pelas oitavas de final. Durante a entrada dos torcedores no estádio, houve um “engarrafamento” humano em uma das entradas. No anseio de acessar o jogo, dezenas foram pisoteados, culminando em 8 mortes (incluindo duas crianças) e 38 pessoas feridas.

Pode não ser nada. Podem ser apenas fatos isolados, circunstanciais. Mas também pode ser uma crescente onda de violência em grandes eventos esportivos que, a partir dos anos 90, parecia estar estruturalmente superada. Neste período de três décadas entre 1990 e 2020, tivemos tragédias também. Inclusive, algumas que figuram entre as maiores da história dentro de um estádio, como a ocorrida em Gana, em 2001, com 127 mortes, e a de Port Said, no Egito, com 79 mortes. Mas entendo que tem havido um aumento de tensões mesmo nos grandes eventos esportivos, em que se supõe um contingente e um esquema de segurança mais reforçado do que em rodadas corriqueiras das ligas locais. Além disso, as tragédias de Heysel e Hillsborough, ícones da mudança drástica ocorrida na sequência, já estão distantes e o impacto destas na sociedade ocidental parece já ter perdido o efeito. Há uma corda sendo tensionada para um lado extremamente negativo, e é preciso voltar a discutir a segurança em eventos esportivos com a devida prioridade que o assunto merece.

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